Foto: Nathália Schneider (Arquivo/Diário)
Alvo de polêmicas que envolvem maus-tratos e dependência de animais para o sustento, a problemática do uso de Veículos de Tração Animal (VTA), popularmente conhecidos como carroças, é antiga. Em Santa Maria, o tema começou a se tornar o centro de discussões a partir de 2017.
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Projetos e o cadastramento de carroceiros e cavalos eram prioridades desde os primeiros debates no Legislativo, em audiências públicas e grupos de trabalho estabelecidos em fases e respectivos prazos.
Dois anos depois, uma iniciativa mais concreta foi criada: o Programa de Controle da Mobilidade e Bem-Estar do Animal de Tração (Lei 6.138/2019). Em tese, a lei proíbe a circulação de carroças na área central de Santa Maria. Mas, na prática, o programa, que previa quatro fases de implementação, andou lentamente. Neste período, a prefeitura chegou a creditar ao período da pandemia da Covid-19 a dificuldade do cumprimento das fases.
A fase 1 do programa tinha o objetivo de instalar microchips em 500 equinos da cidade. Conforme a Superintendência de Controle e Bem-Estar Animal, cerca de 200 cavalos foram microchipados em Santa Maria até agora. Já as fases 2 e 3 do programa previam o cadastro sócio-familiar dos carroceiros, bem como sua qualificação profissional e assistência, além do registro dos Veículos de Tração Animal.
Sobre essa questão, a Secretaria de Desenvolvimento Social informou que fez mutirões nas comunidades com foco nos catadores de materiais recicláveis e constatou que muitos deles, de fato, ainda utilizam veículos de tração animal.
No total, foram cadastradas 1.248 famílias. Estas foram registradas no Programa Bolsa Família, do governo federal, e puderam participar de oficinas de velas, barbante, arte em papel e materiais recicláveis, direcionadas pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) das regiões Leste, Norte e Oeste da cidade.
Por fim, a última fase do Programa de Controle da Mobilidade e Bem-Estar do Animal de Tração previa uma série de proibições da condução e circulação de VTA’s ao longo do tempo. A Secretaria de Mobilidade Urbana afirma que tem feito essa fiscalização.
Porém, não de forma ostensiva, ou seja, quando os fiscais se deparam com uma carroça na área central da cidade, o condutor é informado da proibição da circulação. Também é orientado que a pessoa não retorne a transitar pelo Centro, com a possibilidade de recolhimento da carroça e aplicação de multa. Contudo, segundo a secretaria, não foram aplicadas multas até o momento.
Sustento
A reportagem do Diário percorreu diferentes bairros e localidades de Santa Maria em busca de pessoas que ainda utilizam veículos de tração animal para trabalhar. No entanto, foram encontradas poucas pessoas nessa situação, e muitas delas relataram ter migrado para o uso de carrinhos para a coleta de material reciclável.
No Bairro Renascença, algumas casas ainda mantêm carroças e têm sacos cheios de produtos coletados para venda e reciclagem no pátio. Muitas pessoas afirmaram que reconhecem a problemática das carroças no trânsito da região central da cidade, por exemplo, mas reforçam que esse é o principal meio de sustento da família.
Catadores que substituíram a carroça por carrinhos
Nossa equipe encontrou um catador, Márcio de Souza Silveira, de 53 anos, com o pneu da carroça furado, coletando materiais do lixo a pé, na expectativa de que uma sucata ajude no conserto do seu veículo de trabalho nos próximos dias.
Márcio é carroceiro há 30 anos e, em um bom dia, consegue arrecadar até R$ 60 com a reciclagem de materiais como plástico e ferro-velho. Ele trabalha, em média, sete horas por dia e afirma não ter sido abordado pela prefeitura ou outros órgãos sobre a chipagem do cavalo ou alguma regularização do trabalho, embora tenha ouvido falar sobre o Programa de Controle da Mobilidade e Bem-Estar do Animal de Tração.
Devido à perda recente de documentos pessoais, ele enfrenta dificuldades para se cadastrar em programas sociais do governo.
– Quando furou o pneu, tive que vir puxando a carroça da Tancredo Neves e levei cerca de 1h30min. Geralmente eu vou para lá e também para São João e Parque Pinheiro. Eu espero que não nos proíbam de ir para o Centro, já que também vou para lá às vezes, por mais que seja bastante movimentado. Seria bem ruim para nós – finaliza Márcio de Souza Silveira.
Também no Bairro Renascença, o Diário encontrou outro carroceiro. Noé Ilha, de 74 anos, já está aposentado, mas sai com a égua Gateada de carroça, duas vezes por semana, para comercializar frutas, verduras e legumes para cerca de 60 fregueses nas redondezas. Noé conta que já foi abordado pela prefeitura para chipar a égua:
– Acho muito interessante, até porque se um dia ocorrer de eu perder ou ela ser roubada, saberão quem é o dono. Evita muitos problemas. Porém, na época, eu estava pensando em parar com a carroça, então não foi para a frente.
Noé diz que nunca foi até o centro da cidade de carroça pois, além do grande movimento na região, concorda que o veículo de tração animal atrapalha o trânsito:
– A Faixa de Rosário já é uma dificuldade de atravessar, imagine lá. Mas eu penso que a proibição tem que ser bem estudada, porque a carroça é o único ganha-pão de muitas pessoas. Eu apoio muito a fiscalização no sentido do cuidado e bem-estar dos cavalos. Se a pessoa tem um animal, tem que ter compromisso com ele, cuidar, dar comida, não deixar solto para não atrapalhar o trânsito, porque é um problema de todos: do dono e da população.
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